A origem e evolução da literatura em espanhol

A literatura em espanhol é riquíssima. Uma vez que não estamos falando de livros produzidos em apenas um país — mas em vários! —; por isso, é importante perceber que as influências registradas nas obras também são diversas, seja na escrita como também nas temáticas abordadas.

Desde os primeiros registros escritos em espanhol até os livros que estão publicados hoje mesmo, há influências externas, há política, há mudança da língua. Em resumo, há contexto. E muitos estudiosos passam uma vida inteira tentando compreendê-lo e explicá-lo.

Segundo o pesquisador e professor associado do curso de Letras da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), João Luis Pereira Ourique, é possível compreender a literatura em espanhol em três fases: a Idade Média, a Idade de Ouro e a Idade Contemporânea.

Idade Média

A fase da Idade Média contempla as produções literárias do século X até o século XIV. O principal gênero difundido é a literatura épica, que mescla histórias populares, informação e até mesmo propagandas políticas. A ascensão da épica na Espanha ocorreu sob forte influência de Portugal, que, por sua vez, era marcado pela ocorrência das Cruzadas.

Com o avanço da peste-negra e o fim do reinado de Alfonso X, a produção literária se torna escassa e a épica declina enquanto gênero. O início do século XIV (entre 1301 e 1304) marca uma revolução: o “Libro del cavallero Zifar”, o primeiro romance castelhano. 

Frente ao reinado de Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão, os reis católicos, há uma mudança de espírito na produção cultural espanhola, em que as produções literárias encaram um período transitório. “Estamos ainda no período da Idade Média, mas com muito pouco espírito medieval. Surgem as cores do período renascentista, mas ainda de forma embrionária”, segundo o professor de Letras da UFPel. O livro "La Celestina" de Fernando de Rojas é lançado neste contexto.

Idade de Ouro

Os séculos XVI e XVII são considerados os anos áureos da literatura espanhola. Nesse período, a língua espanhola é reconhecida como língua culta e passa a ser registrada em gramáticas e dicionários.

A literatura deste período é inicialmente Renascentista, sendo marcada pelo antropocentrismo. Ou seja, o homem como centro do mundo e da cultura. O desenvolvimento do romance também tende a vertentes mais realistas, distanciando-se do idealismo das cavalarias e das épicas. É nesse período que nasce o clássico “Don Quijote de la Mancha" de Miguel de Cervantes. Essa obra é considerada precursora do que formaria o Realismo na literatura espanhola: não há mais cavaleiros, apenas a loucura de se achar um.

Já o século XVII é sobretudo Barroco. A inevitabilidade da morte e a angústia constante são as principais temáticas desse período. Não coincidentemente, a questão da Inquisição é contemporânea e impõe uma angústia que se traduz na literatura. 

Idade Contemporânea

Esta fase na literatura espanhola começa no século XVIII e contém até as produções mais recentes na língua. O que diferencia a Idade Contemporânea do Barroco vigente até então é a ascensão do Iluminismo na França, que promove influências no modo de pensar espanhol.

Nesse período, o romance — chamado de “novela” em espanhol — praticamente desaparece, dando espaço ao ensaio. O gênero da vez tem um caráter muito mais utilitário, pautando valores e costumes. A poesia nesse período sofre avanços em métrica, mas as temáticas também não exploram muito além do campo “didático”, conforme explica Ourique.

O século XIX, por outro lado, é marcado pela volta do romance como principal gênero. Agora, porém, não há mais espaço para narrativas fantasiosas, substituídas pelo retrato fiel da sociedade, conforme as indicações do Realismo francês. Uma obra importante deste período é "Fortunata y Jacinta" de Benito Pérez Galdós.

Já no século XX, o surrealismo se destaca entre as vanguardas literárias. No pós-Guerra Civil Espanhola, a ditadura de Franco sufocou qualquer forma de inovação cultural. Já na década de 1950, há um desenvolvimento do Realismo Social, que aborda os problemas sociais decorrentes do pós-guerra e do êxodo rural. Essas características estão fortemente presentes em “La Colmena” de Camilo José Cela.

Clássicos livros em espanhol da Espanha

10.jpgLivros em espanhol.

Classificar “os melhores livros em espanhol” pode ser uma tarefa um tanto complexa. Isso porque a análise depende de critérios literários, do impacto da obra e até mesmo da experiência pessoal no momento da leitura. Sendo assim, vale se apoiar nos clássicos!

Afinal, clássicos são clássicos pela atemporalidade, pelo crivo técnico e pela qualidade na totalidade. Nesta primeira lista, veja cinco livros clássicos da Espanha indispensáveis para quem deseja aprimorar a leitura no idioma.

  • "Don Quijote de la Mancha" de Miguel de Cervantes

É impossível falar de literatura em espanhol sem citar Cervantes. Ao criar Dom Quixote, Sancho Pança e suas aventuras de cavalaria, o autor desenvolve uma obra que seria considerada uma obra-prima da literatura. Nela, Dom Quixote, ávido leitor de romances de cavalaria, se coloca em aventuras de cavaleiro andante.

  •  "La Celestina" de Fernando de Rojas

Entre Idade Média e Renascimento é lançado “La Celestina”. A tragicomédia é concebida puramente em forma de diálogo, mas também é considerada longa demais para ser apresentada. De qualquer forma, essa obra é considerada um marco para a história do teatro.

  • "Fortunata y Jacinta" de Benito Pérez Galdós

Em ficção realista, "Fortunata y Jacinta" acompanha duas mulheres em diversas narrativas que contam a história da Primeira República. O conflito de classes e a paixão nutrida por um mesmo homem são os fios que conduzem as protagonistas ao longo da trama. 

  • Capitan Alatriste” de Arturo Pérez Reverte

Sem saber, Íñigo Alastride se vê trabalhando para a Inquisição espanhola. Nessa obra de Arturo Pérez, a aventura é o principal tema enquanto a narrativa acompanha o protagonista em batalhas morais e também de espadas.

  • "Los Pazos de Ulloa" de Emilia Pardo Bazán

A zona rural é o ambiente em que se desenrola este famoso romance de Emilia Pardo Bazán. A principal temática, aqui, é a decadência da oligarquia de proprietários de terra. O desenvolvimento da trama em si ocorre em Paris, onde vive Jacinto, um aristocrata.

Literatura contemporânea espanhola

11.jpgLivros em espanhol.

A literatura contemporânea traz questões atuais e novos estilos narrativos. A seguir, confira algumas opções de livros em espanhol para mergulhar em histórias mais atuais e, mesmo assim, tão importantes quanto as clássicas.

  • "Patria" de Fernando Aramburu

Publicada em 2016, esta obra de Aramburu retrata o País Basco na época em que o ETA declarou a dissolução. Neste livro, acompanhamos as amigas Bittori e Miren, separadas pelo trauma, o fanatismo e o luto.

  • Corazón tan blanco“ de Javier Marías Franco

Tudo o que é ouvido deve ser compartilhado? “Coração tão branco”, como foi traduzido o título, é um romance sobre segredos e tentações. Neste livro, o suicídio de Teresa gera, anos depois, questionamentos de Juan sobre seu próprio casamento.

  • "La Sombra del Viento" de Carlos Ruiz Zafón

Mistério, história e romance são temas entrelaçados nessa obra de Carlos Ruiz Zafón. Ambientado em Barcelona, o livro acompanha a trajetória de Daniel, um menino que investiga a destruição dos exemplares dos livros de seu autor favorito.

  • "El Tiempo entre Costuras" de María Dueñas

Uma costureira é abandonada pela amante em uma cidade completamente estranha a ela. Por um desenlace de acontecimentos, os serviços da protagonista, Sira Quiroga, tornam-se famosos entre as esposas de oficiais nazistas alemães. A partir dessa premissa, a trama de espionagem passa a ser o centro da instigante narrativa.

Clássicos livros em espanhol da América Latina

12.jpgLivros em espanhol.

Para além da Espanha, a língua espanhola também conta e guarda muito da história latinoamericana. Com variações de sotaques regionais únicas, explorar os livros clássicos em espanhol da América Latina pode ser uma experiência bastante enriquecedora, tanto no que diz respeito ao vocabulário, quanto ao entendimento da cultura local.

  • "Pedro Páramo" de Juan Rulfo (México)

Juan Preciato deve encontrar o pai. Isso de acordo com o último pedido de sua mãe em leito de morte. O livro, então, acompanha a trajetória de Juan pela violenta cidade de Comala, que guarda um segredo.

  • "Hopscotch" de Julio Cortázar (Argentina)

Horácio Oliveira é um escritor argentino que vive em Paris. Mesclando entre o narrativo e o fantástico, a obra acompanha Horácio de volta à cidade de Buenos Aires por conta do sumiço de sua amante.

  • "Cien años de soledad" de Gabriel García Márquez (Colômbia)

“Cem anos de solidão” é um clássico da literatura mundial e é impossível falar de livros para ler em espanhol sem o citar como exemplo. A obra de Gabo acompanha gerações da família Buendía-Iguarán e foi vencedora do Prêmio Nobel de Literatura em 1982.

  • Veinte poemas de amor y una canción desesperada” de Pablo Neruda (Chile)

Assim como o anterior, “Vinte poemas de amor e uma canção desesperada” também foi vencedor de um Nobel de Literatura. Melancólico e romântico, este livro é uma boa opção para aqueles que querem começar a ler poemas em espanhol.

  • Conversación en La Catedral” de Mario Vargas Llosa (Peru)

Este é considerado um dos romances mais poderosos da ficção latino-americana na segunda metade do século XX. O Catedral, citado no título, é um bar onde se desenrola uma conversa rica de recordações. A partir do diálogo entre um jornalista de classe média e o antigo motorista de seu pai, é possível adquirir um panorama político do Peru ao longo dos anos 1950.

  • Doña Bárbara” de Rómulo Gallegos (Venezuela)

Rómulo Gallegos teve 15 indicações ao Prêmio Nobel de Literatura, então seu nome não poderia ficar de fora dessa lista de indicações. Afinal, para entender a Venezuela, nada melhor do que ler a ideias de quem entende. Originalmente publicado em 1929, “Doña Bárbara” tem a disputa de terras como tema central.

  • Juan de la Rosa” de Nataniel Aguirre (Bolívia)

A história da luta pela independência da Bolívia se confunde com a história do órfão Juan de la Rosa. Considerado um clássico boliviano, este livro foi originalmente lançado em 1885 e guarda um mistério sobre o verdadeiro autor, que pode ter sido o próprio coronel Juan de la Rosa.

  • El reino de este mundo” de Alejo Carpentier (Cuba)

Pertencente ao realismo mágico, a obra de Alejo Carpentier recria os acontecimentos que antecederam a independência haitiana. Este livro foi publicado originalmente em 1949 e é considerado uma leitura excepcional, devido aos recursos narrativos empregados.

  • Yo, el Supremo” de Augusto Roa Bastos (Paraguay)

Yo, el Supremo” é um romance histórico que acompanha José Gaspar Rodríguez de Francia, um ditador paraguaio. O relato ficcional presente nesta obra é considerado uma das peças de ditadura mais representativas da América Latina.

Literatura contemporânea latina

13.jpgLivros em espanhol.

A imersão cultural pode ser ainda mais interessante quando o assunto é literatura contemporânea. Por meio destas obras, explore e compreenda a fundo as dinâmicas político-sociais daqueles países que estão tão próximos — geográfica e culturalmente — do Brasil.

  • "La Casa de los Espíritus" de Isabel Allende (Chile)

Mais uma vez, o realismo mágico é a principal ferramenta para o desenvolvimento da narrativa. “La Casa de los Espíritus” é uma leitura ao nível intermediário, que pode ser mais interessante para quem já tem certa familiaridade com a língua.

  • El cuerpo en que nací” de Guadalupe Nettel (México)

Publicado em 2011, “El cuero en que naci” é contado no divã de um psicanalista e reflete a infância da autora, Guadalupe Nettel. O relato, por sua vez, engloba uma menina que nasceu com uma deficiência no olho, que borra tudo ao seu redor.

  • El país de la canela” de William Ospina (Colômbia)

O descobrimento do Amazonas é o palco em que se desenrola a narrativa épica de “O país da canela”. A história acontece em no século XVI e acompanha a disputa por territórios entre os conquistadores espanhóis Francisco de Orellana e Gonzalo Pizarro.

Dicas práticas sobre livros para ler em espanhol e aproveitar ao máximo

A dica mais valiosa para começar a ler em espanhol é simples: paciência. É importante ter paciência, uma vez que o ritmo de leitura não será o mesmo que em seu idioma nativo, pelo menos a princípio. Novos vocabulários e diferentes construções frasais formam um desafio a ser superado a fim de compreender a história.

De qualquer forma, é possível, sim, ler em espanhol e, a fim de tornar a atividade ainda mais proveitosa, vale manter um bloquinho de anotações, revisitar as passagens mais importantes e, claro, exercitar a leitura diária.

O auxílio de um dicionário também será de grande ajuda. Porém, para além dos vocábulos ali explicados, vale ainda se desafiar e tentar entender alguns termos pelo contexto. Como o espanhol tem uma raiz latina, assim como a língua portuguesa, muitas palavras se aproximam na escrita e podem ser entendidas segundo a frase em que são inseridas, sem nem precisar de dicionário.

Nesses casos, porém, é importante se atentar aos chamados falsos cognatos, palavras semelhantes na grafia e na pronúncia entre dois idiomas, mas que possuem significados completamente diferentes. Por exemplo, no espanhol, “borracha” pode até soar como um material escolar, mas a tradução significa “bêbeda”.

Amplie seu vocabulário e compreensão cultural com a leitura

Investindo tempo e motivação, será fácil aprender com a leitura de livros em espanhol. Palavra após a outra, o aprendizado será progressivo e, quando você menos espera, ler livros em espanhol já será algo natural.

Exercitar a leitura em outro idioma é um processo muito proveitoso, que pode ser combinado com o aprendizado teórico e em aulas. Para mergulhar de vez no idioma, conte com as opções de curso de espanhol do Berlitz e aprenda com imersão cultural e foco em conversação.

Em resumo

Como começar a ler em espanhol?

Comece aos poucos, com paciência. Em primeiras experiências, vale apostar em livros infantis, que tem uma linguagem mais simples, ou em contos, mais curtos. O dicionário e o simples hábito de anotar os novos vocábulos também serão de grande ajuda.

Por que ler livros em espanhol?

A leitura em um novo idioma pode catalisar o aprendizado. Com o exercício da leitura, é possível aprender novos vocábulos, entender construções frasais com facilidade, desenvolver mais fluência na escrita e compreender com mais profundidade as nuances de uma cultura diferente.